os fantasmas ainda me visitam!
- Álvaro Soares
- 17 de mar.
- 3 min de leitura

-"Eu achava que algumas coisas morriam com o tempo. Achava que bastava seguir em frente, ocupar a mente, trocar os móveis de lugar. Mas fantasmas não respeitam fechaduras, nem distâncias. Eles sempre encontram um jeito de voltar".
E eu tenho muitos. Tento fugir deles como um vampiro foge da luz do sol, mas é inútil. Aquilo que desejamos morto sempre acha uma forma de ressurgir – e, ironicamente, na melhor fase de nossas vidas. Talvez porque nunca esteve realmente morto, apenas adormecido.
Acredito que esses fantasmas não são nada sobrenaturais. Não são entidades que vagam por aí à procura de algo. Eles existem dentro de nós, alimentados por nossas mentes medrosas e inseguras. Porque, no fim, eles só continuam vivos porque nós os mantemos assim.
Posso falar por mim. Os meus fantasmas foram criados por aqueles que deveriam ser o meu porto seguro. O colo para onde eu deveria correr quando os espectros do passado me assombrassem… mas foram justamente eles que os colocaram dentro de mim.
Outro dia, conversava com o pessoal do grupo desse desafio de escrita sobre os problemas familiares que temos com nossos pais. O engraçado é que esse tema tenha surgido logo agora, como se o universo tivesse me dado repertório. Todos chegamos a uma conclusão unânime: entendemos a forma como fomos criados. Afinal, nossos pais também estavam vivendo pela primeira vez. Eles também tinham seus próprios fantasmas. Também foram assombrados.
E, mesmo entendendo isso, reservamos o direito de ficarmos magoados, tristes, zangados. Porque carregamos traumas e inseguranças que foram moldados por eles. Tivemos que suportar, por muito tempo, o peso dos fantasmas que não eram nossos. Mas que, de alguma forma, se tornaram.
Os meus sussurram as mesmas frases. Frases que ouvi quando criança, quando tentava me expressar:
“Você é afeminado demais.”
“Está gordo demais.”
“É feio demais.”
E, sem perceber, fui dando espaço para que eles fizessem moradia.
Ainda recebo visitas deles. Mas hoje já não me assustam. Em um canto do meu inconsciente, sentamos juntos, tomamos chá, conversamos. Dentro desse mundo, eu podia ser eu mesmo, porque ainda tinha medo de ser vítima de mais alguma insegurança espelhada.
Os fantasmas me ajudaram a entender que aquilo nunca foi sobre mim.
Meus traumas deixaram marcas profundas. Carrego uma insegurança imensa com meu corpo. Uma obsessão – não tão saudável – pela magreza e pela beleza. Pode parecer fútil para quem vê de fora, mas quando minha disforia corporal ataca, ou quando meu transtorno alimentar se impõe, nada disso é engraçado. E saber que tudo começou com eles, com aqueles que deveriam ter me protegido, me entristece.
Quando eu era pequeno, era mimado. E, de repente, deixei de ser. Meus irmãos brigavam comigo, diziam que eu não era mais tão querido quanto antes. E foi ali que tudo começou. Aos poucos, me tornei inexpressivo. Incapaz de me comunicar. Fechado dentro de mim mesmo.
A primeira vez que senti um alívio real, que senti que os fantasmas haviam se calado, foi quando dancei. Eu estava na casa da minha avó, com minha prima. Lembro da música preenchendo o espaço, do meu corpo finalmente se movendo sem medo. Aquilo abriu as portas da minha autoexpressão. Pela primeira vez, meus ombros puderam descansar.
Ainda recebo visitas no meu mundo. Mas agora eles não me assustam. Eles vêm para conversar, passar a tarde. Me lembram do garoto que eu fui, dos sonhos e desejos que ficaram adormecidos. E, estranhamente, são eles que me seguram nos dias em que penso em desistir.
No fim, são o refúgio que busco quando o peso volta.

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